17.10.07

Peregrinação a Fátima …(1) …

Toca o realejo do despertador, num apito, num pi..pi. enervante, a Rosa levanta-se e joga a mão ao botão do mesmo para o calar, é noite eu rebolo na cama e me aninho mais um pouco, pois “Orfeu “, não quer que saia dos seus braços, mas Rosa ao passar para o quarto de banho, me dá uns amorosos abanões “ Carlos são 5 horas, tu ficas ? “. Com a dificuldade própria do acordar a horas impróprias e não naturais, me levanto atabalhoadamente e lá caminho para o banho, mas a mente ia repetindo, mas são 5 horas da matina.

Arranjar o resto que falta, sacola de higiene pronta e colocada na mala… conferência dos sacos…saco cama, esteira, colchão, caixa de pomadas, adesivos e demais artigos de reparação rápida… que mais falta Carlos… que mais falta?... Pois, Máquina Fotográfica… Mp3… Fm… cartão de credito… algumas moedas… chapéu, óculos de sol, pronto está tudo, não deve faltar nada, “ Rosa quantos dias?” – “Raio de homem nunca sabe a quantas anda, sete, se chegares ao fim”. Se chegares ao fim? “Nem que seja de muletas, que eu sou Beirão, ó minha muçulmana enxertada em sangue Lusitano”. Nesta boa disposição tomámos o pequeno-almoço, como quem diz… ‘avia-te em terra já que vais para o Mar’.

Como combinado… 6h e 45m, toque de campainha, é a João, para nos levar para a o local da concentração, Adro da Igreja de Nossa Senhora Auxiliadora...” Ena pá… a gente que já por aqui está”… logo oiço dizer, que são por volta de 100 mulheres e não chegam a 30 homens, logo ali me senti cilindrado, me desculpem mas aquilo não eram propriamente mulheres, eram ‘gralhas’, elas sorriam, beijavam, ele eram palmadinhas, eram gritinhos, até assobios e sempre a mesma pergunta “Sr. Carlos também vêm?”… será que eu estava com roupinha domingueira?. Ora eu, estava de calças surradas e pronto, para ao primeiro aquecimento do tempo, transformar as calças em calções e colocar as canetas ao léu…bem canetas, não é bem o termo… pois os gémeos de cada uma das minhas pernas, deve dar para aí… uns 3 Kilos de bons bifes… acho eu… seria mais as canelas. Depois a Missa, são precisamente 7 horas.

O padre é moço novo, não lhe dou mais de 25... 26 anos e nos informa que nos irá acompanhar… Eu fiquei a olhar para ele… será mesmo, que ele irá andar ao nosso lado e no ritmo necessário… mas com os meus botões… este vai até ao fim… Porque pensei isto…porque o Padre é Africano e Angolano, forjado em terras tórridas. (antes que me esqueça o padre tem 36 anos e é um rijíssimo caminheiro e bom companheiro.)

Logo ali e a seco, nos dão a informação da caminhada do dia, pequeno-almoço, almoço, jantar, dormida e lugar aproximado das reflexões.

Carrego das camionetas de apoio com as cargas auxiliares de cada um, coisa de homem para uma, coisa de mulher para outra, os sorrisos pelas primeiras tarefas logo pela manhã, com uma aragem fresca passando pela cara, nos tornava a todos alegres e prazenteiros.

Lá nos despedimos dos que ficam, da João, da Rosa (esta, a que ajudou a criar as filhas e ainda ciranda lá por casa) e de outras pessoas amigas, que foram até lá para ver a partida e desejar boa sorte.

Depois a fila uma enorme fila de um a um (fila indiana…bicha de pirilau… o que lhe queiram chamar) começou a se formar e andar, virei-me para Rosa dei-lhe um beijo e desejei sorte (sempre eram 6 dias de caminho e aproximadamente 180 Km de percurso que nos leva de Évora a Fátima.

Sete kilometros se passaram e já estava-mos a abancar tomando o pequeno almoço no kartódromo de Évora (se sempre assim fosse não está mal, dizia eu para com os meus botões), já estavam a decorrer provas nos Karts.
Mais um juntar das gentes mais umas explicações, mais umas corridas aos mictórios e mais uma abalada (como por cá se fala) pela berma do alcatrão.

16 Km, paragem em Patalim, água de prata, fresca e abundante, sombra aprazível e é ver os caminheiros esfregarem as pernas e é hora de aparecerem as primeiras filhas das ovelhas (borregas) nalguns pés já doloridos, mas ainda não existe trabalho de enfermagem, não existe necessidade, as borreguinhas ainda não falam e são de suporte fácil…Almoço em Patalim… tudo feliz da vida, pois nem só da fé vive o homem. Final do almoço mais um descanso… pequeno, mas reconfortante, para assentar as comezainas.

Já só faltam 14 Km para terminar o dia, fomos informados, que nos iríamos juntar a um grupo vindo de Alcáçovas, um pequeno grupo de perto de 30 pessoas, então o nosso grupo peregrino iria passar dos 130 para os 160, passou a sua composição para 130 mulheres e mantendo os 30 homens, isto já não era um grupo era uma composição (comboio) em marcha lenta.

Mas a temperatura aqueceu, a digestão e as pequenas dores, não facilitam o trabalho de marcha, assim, alguns se vão deixando ficar um pouco para traz, a fila era de uma extensão impressionante na lateral da estrada. Não existe paragem para descanso do corpo, os nossos apoios, nos vão dando água, rebuçados e alguns bolos ou bolachas, para manter o nível do açúcar eu que sou diabético e bem nutrido, lá vou comendo uma peça de fruta aqui e ali, para manter a pedalada e acompanhar o resto da legião. Para entreter o tempo vou falando com a Rosa, que se mantêm sempre bem disposta e uma andarilho de excepção.

Grande subida, já com Montemor à vista, esta sim é difícil, temos que nos aplicar, olho bem para traz e vejo todo o grupo esfrangalhado, era só grupinhos, calculei que muitos vinham com as borreguinhas a chiar ou então já não eram borregas era mesmo um rebanho caminhando para o redil, tal a maneira como colocavam os pés no chão.

Finalmente o lugar da pernoita (centro de exposições da câmara municipal, junto ao centro de leilão de gado) …. Explicação, onde ficavam as casas de banho dos homens e das mulheres e onde os homens e as mulheres vão pernoitar.

Retirada das camionetas das coisas de cada um.

Caminhei procurando um sítio, para estender o colchão e os demais apetrechos, lá encontrei um sítio que me pareceu razoável, junto ao palco, também seria o local onde seria servido o jantar e se tomaria o pequeno-almoço no dia seguinte, (Servido pelo pessoal da Misericórdia de Montemor o Novo).

Depois de estender o colchão e saco cama como marcação de território, lá me dirigi ao banho do final do dia. Aquilo não foi um banho aquilo foi bulir na alma da gente, de reconfortante satisfação.

Pedi à Rosa para me olhar os pés, aí a “miúda” mudou de aspecto e eu fiquei preocupado, lá me disse devagarinho, que uma borrega no pé esquerdo, não tinha lá muito bom aspecto e já tinha um pouco de sangue, eu como diabético e do muito amor que tenho aos meus pezinhos e pernas, não fiquei lá muito alegre e lá fui procurar uma enfermeira, para ver o estado, e executar o tratamento devido.

Sentada numa caixa de transporte de garrafas de cerveja, estava uma senhora de Alcáçovas, tratando dos pés delas e deles, alguns em muito mau estado, borregas nos dois pés, estes nem ao pé-coxinho, ao lado outra senhora também peregrina que ia tratando de pés de outros. Quando chegou a minha vez e eu informei que era diabético, fui informado, por quem me assistia, que só era aprendiz de feiticeira, enfermeira era a senhora do lado, não me restou mais que esperar mais um pouco, pois estava a tratar de um latagão com perto de 50 anos natural de Almodôvar e que mais tarde alcunhei do “Speed” existiam também as meninas da “Formula 1” mas essa é outra história… certo é que o nosso amigo de Almodôvar, se impressionou com o tratamento de corte e costura feito no pé pela Srª Enfermeira, que quase desmaiou… eu acho que era do estado de fraqueza, nem ele deve ainda saber porque teve de juntar as mãos aos pés…mas lá chegou a minha hora… a enfermeira olhou …remirou e tratou…entrapou e disse para eu dar descanso ao pé… Agradeci a generosidade dela, mas com os meu botões sempre me “ri”… quem anda por mim os 28 Km de amanhã?

E lá fui jantar… prato na mão, qual pronto a servir, lá fui á sopa, depois à carne com ervilhas, quem queria tinha direito a sumos e a vinho, para finalizar fruta e café.

Um pouco na rua para não deitar logo, sentado numas cadeirinhas de plástico eu e a Rosa íamos comentando o nosso 1º dia, mas… porque existe sempre um mas?... A Rosa se comoveu e cantou ao Gregório, não deixando nada no estômago, da jantarada anterior, ficou mais aliviada… umas passadas por ali até ela se compor, levei-a até junto da zona onde dormia e voltei, para o meu real alojamento com esteira em chão de cimento.

Deitei-me e aí pelas 3 horas acordei, pensei que estava na estação dos Comboios de Évora, tal era o barulho de Automotoras, Comboios Eléctricos e das simpáticas locomotivas a vapor de outros tempos… “palavra”, nunca estive junto de tanto ronco…caramba… tive dificuldade em adormecer… mas pelas 5 horas já estava a pé para higiene matinal, colocar as pomadinhas, contra as assaduras assim fica tudo arrumadinho para iniciar o 2º dia, eu e o meu pequeno rebanho nos pés.

2 comentários:

ALENTEJANO E TROPICANO disse...

Amigo Ferreira,
Agora fiquei em "picos" para ver o desenrolar e o final do filme...
Não sabia que o amigo tinha ingressado no blogger.
Abração.

Carlos Ferreira disse...

Então jardineiro de plantão não lhe diz nada... risos
Abraço deste compadre Alentejano