20.10.07

Peregrinação a Fátima …(4) …

Como combinado na noite anterior a alvorada foi pelas 4H da manhã, pelo menos o meu telemóvel assim o indicava, levantar, desfazer da barba, colocar a escova no marfim, uma penteadela, vestir e arrumar todos os objectos pessoais, só falta arrumar a malinha da cura das maleitas. A Rosa chega tratamento dos pés, o fechar da mala, colocar todos os andrajos e malas na camioneta e correr para o pequeno almoço, a doze normal das manhãs e sair para a rua, que o pessoal já se estava concentrando, para saber do boletim do tempo, que por qualquer irracionalidade, tida dado sempre certo, vamos ter mais calor e muito alcatrão pela frente, pois iremos dormir a Almeirim, desta vez, já na região Ribatejana com muitas subidas e descidas.

Para começar, e porque esta gente da organização, deve ter a mania das grandezas e porque o que é grande está no alto, mais uma subida, mas diferente. Logo pela manhã e para despertar e se ajustar ao que seria o dia, subir escadas, escadas de pedra, ainda comecei a contar os degraus, mas qual carapuça, já me faltava o ar para levantar a perna quanto mais para contar, caramba, era mesmo muito, muito degrau, até banquinhos tinhas, para prover o descanso… mas lá chegamos ao cimo… Bairro de S. António, Estrada Nacional e saída para a sede do Distrito “Santarém”, mas a travessia do “Tejo” não era para hoje, era para amanhã.

Lá no alto, retemperar forças com o doping da bica (Café Expresso), chávena cheia, pois cafeína é necessária, para uma aceleração condigna da bomba que existe em cada um dos peregrinos e não só, enquanto tomava a minha bica cheia, reparei que a companheira do lado, não se satisfazia só com o cafezinho, tinha de ser com um “Porto”, para melhorar a carburação, grande mulher, não reparei, mas deve ser das de pelo na venta… ou vai ou racha.

Mais um ajuntamento de todos, alguns mais entraram aqui na peregrinação, estavam frescos, mas bem depressa, estavam como o bando antigo se encontrava, por vezes bem descaroçados.

Partida, novamente grupos de 12… as canções, para expelir algumas secreções pulmonares ganhas durante a noite e umas Dezenas a Maria.

Desta vez a estrada tinha bastantes sombras, mas tinha um senão, o asfalto era novo e ainda libertava alguns perfumes específicos do betuminoso, o sol veio visitar-nos e dizer-nos que vinha para dourar o nosso dia.
Água, muita água a distribuir no sobe e descer do serpentear da estrada, e na centopeia de corpos e pernas, que se ia aos poucos desagregando, vi montinhos se formando, as meninas da “F1” passaram por mim como “cão por vinha vindimada”, como nada fosse com elas, mas iam bem vermelhinhas do esforço, também o “speed”, passou num passo acelerado, como de ambulância se trata-se eu e Rosa íamos ficando para traz, para ver o fim da fila, pergunta-mos a um elemento de apoio, que nos oferecia água e alguma glicose, qual era o tempo de atraso da vassoura, ele mos informou que seria perto de 35 minutos, isto são muitos kilometros para traz, resolvemos não ir ao fim da fila, e voltamos ao nosso passo normal, aquele a que as pernas e os pés melhor obedeciam.

Andamos para aí 2 ou 3 Km sem vivalma, até nos aparecer um latagão segurando uma moça, que não podia mais andar, mas insistia que queria continuar e não restava mais ao moço que ajudar, para meu espanto a moçoila era a mesma que tinha feito costa de cadeira na noite anterior quando do tratamento dos meus pés, disse á Rosa para continuar sozinha que eu iria ajudar no possível o conjunto.

Não dava, a moça quase ia no ar, e mesmo assim muito devagar, ela não podia mais, fiquei a saber que na noite anterior, tinha torcido um pé nas calçadas seculares da vila de Coruche, chamei a atenção dela, que ela não andaria muito mais, e quanto mais esforço executa-se com o pé, pior ficaria e poderia correr sérios riscos de ficar bastante tempo de muletas, devido a um esforço que a levaria a “nenhures”, mas teimosa a mocinha… já mãe de família, me disse que não ia só em peregrinação mas que ia em promessa, então dei-lhe como concelho, se ela ia em promessa e as promessas são para cumprir, o melhor é desistir agora e poder voltar novamente no ano seguinte do que correr o risco de não mais voltar, lá consegui chamar a razão à cabecinha, deixando-a a chorar e lavada em lágrimas, num dos carros de apoio.

Nem com este episódio, a vassoura me tinha apanhado, caramba como deviam estar para traz, dei cordas aos butes, e ladeira acima acelerarei o passo, para encontrar a Rosa… mas tinha perdido algum tempo, assim, comendo kilometros e borregas vivas, lá a encontrei numa pequena fila de 10 ou 12. De embalado que vinha, que convidei a Rosa a acelerar um pouco comigo no asfalto, assim passei pelo “speed” que ficou atarantado, talvez pela deslocação de ar que provoquei, no seu pára-brisas (óculos), um pouco mais á frente foi a vez de pedir ultrapassagem ás meninas da “F1”, foi a vez delas de mandarem uns ditos, o que tínhamos tomado, também queriam e por aí fora, troca de paleio e continuação da aceleração que a coisa era a subir, passámos junto a uma fonte na estrada, mas com medo que o motor cede-se não parámos para dar água aos cavalos, lá no alto encontramos a Marieta e o grupinho das manas de Monte de Trigo, agora era a descer e para uma paragem a meio da manhã.

Corrida para a rega das hortaliças, água, fruta e os doces da ordem, havia umas bolachas de coco, que nem lhes conto, como eram deliciosas, abanar os gémeos, pois os mesmo já gritavam, nem com chupeta se calavam, alguns se descalçavam e recorriam a tudo para tirar as dores a mais utilizada era a já famosa “Halibute”, desta vez as nossas boas amigas enfermeiras lá colocaram o estendal e foi um “ver se te avias” a remendar os chispes das hostes, que já se encontravam muito maltratados.

Umas orações, umas canções e o padre lá nos deixou ir para o asfalto, volta a fila, voltam a contar 12 de cada vez e mais uma Dezena por Nossa Senhora, mais umas canções, que até anima a malta e nos faz esquecer as dores e volta a colocar a ‘máquina’ a rolar certinho.

Vêm chegando a descida para a “Raposa” , são agora km a descer, muito custa descer, pois só aí damos, pelo colchão de água que temos nos pés… é difícil subir, mas acho que neste campeonato, ficou provado que descer é mesmo difícil, até as linhas sentimos, daquelas, que tal terapia levaram.

Paragem para almoço, ar condicionado, água, refrigerantes, vinho cerveja e muita salada, caldo verde como sopa e como segundo carne, Invasão total do pequeno estabelecimento hoteleiro de apoio à estrada.

Terminado o repasto, descanso do esqueleto, no parque de merendas da aldeia, junto ao Rio.

Deitei-me numa mesa de pedra e por incrível que possa, adormeci, não existia qualquer problema, tinha o meu anjo mesmo ao lado velando por mim… mas não devo ter dormitado muito, pois o anjo logo me acordou, pois uma das Srºs enfermeiras queria ver os meus ricos pés. Lá lhe fiz a vontade, e ela entrou logo no corte e costura com a famosa linha preta e a seringuita na mão, para injectar, acho eu que em tudo o que lhe veio à ideia… (muito obrigado enfermeira Gertrudes pelo seu desinteressado apoio, que não só os nossos pés agradeciam como nos tranquilizava com as suas balsâmicas palavras).

Mas ainda deu para mais uma cochilada pequena, mas retemperadora, o dia estava muito quente, e as refrescantes sombras junto ao rio, só pediam um pequeno ressonar… nada mais. Mas são horas da abalada que o rancho é grande e ainda muito falta andar.

Sobe e desce, sobe e desce, passei junto a uma pequena quinta turística e ao ver a piscina, ali me ia dando para ficar, pois o corpo de esperto que é, mostrou logo uma canseira e uma letargia que ainda não tinha sentido, mas isto foi só por um momento, que estas coisas vem à ideia mas logo vão, mas não deixei de transmitir à Rosa o que poderia chamar o “apetite” do dia.

Foi cá um andar na tarde… nem lhes conto nem lhes digo… pois a paragem, foi antes do cruzamento para as “Fazendas de Almeirim”, paragem mesmo à maneira. A fazendeira, distribui melão e melancia por toda a caravana, coloca à disposição as instalações sanitárias, agua corrente e fresca, belo descanso, recebidos no barraco como gente da sua própria família, No final ainda ofereceu café expresso que ela e um filho se atarefavam a tirar, a todos os que o pretendessem, gente muito boa esta, quando passar por Almeirim na próxima vez que for às Beiras, passo por lá e comprarei “Mel” que me pareceu de muito boa qualidade e voltarei a agradecer a atenção tida.

Mas são horas que a tarde está a findar, é necessário executar o esforço final, já não falta muito, mas ainda é alguma coisa uns Kiometros, talvez uns 7 ou 8.
Entrada da fila em Almeirim, começar a atravessar a vila, pois a pernoita, seria, junto á Estrada Nacional Lisboa-Coimbra, chegamos ao destino já a noite se tinha instalado, as mulheres, colocaram as suas coisinhas, para a pernoita numa creche, apanharam com lavatórios, minúsculos e rasteiros ao solo, ficando por parte dos amigos leitores adquirem o conhecimento do tamanho dos restantes aparelhos sanitários. (Grandes mulheres, era como executar as necessidades num penico dos antigos…risos e lavar a cara numa pequena tigela colocada junto ao chão …Risos).

Os Homens, pela necessidade do Restaurante, foram jantar, depois tomariam o banho retemperador, assim e pela primeira vez, homens e mulheres não tomaram a refeição em conjunto.

Chamei o Padre para a minha mesa, que já continha o velho Capitão, o Ten. Coronel, o Ramos e o Espada, o padre lá se sentou e ajudou a animar a “roda”, não deixando os seus créditos de bom companheiro e folgazão em mãos alheias, um jantar de boa disposição, camaradagem e amizade.

Juntar os homens e informar, que por as mulheres ser muitas, nos iam colocar no lar de terceira idade. (Não estava mal, de trôpegos que estávamos, mais devíamos parecer mais um bando de velhinhos que de peregrinos… tudo para dentro das camionetas, com as trouxas por lá, apertadinhos que nem sardinhas, lá seguimos aos solavancos até ao “lar”.

Mas o Lar era verdadeiro “Hotel”…, de seniores nada, já estavam deitados, nos colocaram três instalações sanitárias à disposição, para banho e necessidades e indicação da instalação dos “camalhos” numa grande e ampla sala.

Tomei um banho, de água quente, coisa que já não sabia bem o que era, que me colocou como novo e lasso para o sono que se adivinha.

Mas era mais uma noite de máquinas a vapor subindo em esforço qualquer serra deste país.

Sem comentários: